1.6.12

Precisamos nos re (inventar)



''A moda sempre foi negócio mas, se no passado, era possível manter-se um ateliê confeccionando apenas roupas sob medida, hoje é necessário criar o produto e personalizá-lo de acordo com o mercado consumidor.''

Já lá se vai o tempo de ouro da indústria têxtil em Angola, tempo este em que as fábricas têxteis funcionavam e muito do que se vestia no país era confeccionado cá. A Independência Nacional foi necessária sim mas em contrapartida, em muitos aspectos a nossa sociedade regrediu, não pela conquista desta, e sim pelas mais de três décadas de guerra que o país atravessou.


Hoje, estilistas, costureiras e alfaiates têm associado o estado actual da moda no país a ausência de indústrias têxteis. As indústrias fazem falta sim, mas em um mundo em que a importação e exportação de produtos virou negócio desde o princípio do mundo, é possível sim mudar-se o quadro actual. Como? Reinventando-se!

Todos os dias surgirão estilistas angolanos, mas poucos ou nenhum estilista está capacitado para realmente se internacionalizar e tornar-se numa grande marca como a Versace, Elie Saab, Gucci, Alexandre Herchcovitch… tudo porque esta internacionalização não depende das industrias têxteis e sim primeiramente da organização do grupo/atelier em sim.

Porquê que são poucos os empresários que apostam no mercado da moda, apoiando estilistas nacionais? Porquê que são poucos os bancos que concedem créditos a estilistas? A resposta não está na ausência da indústria têxtil no país, ainda que ela se venha a reerguer, acredito no falhanço total; primeiro porque não temos mão-de-obra capacitada, segundo porque a capacitação destes profissionais levará anos a fio e terceiro exigirá a importação de mão-de-obra e capacitação dos estilistas nacionais que nunca tiveram contacto com produções dessa magnitude.

Uma empresa de moda de sucesso não depende unicamente do trabalho do estilista e dos seus alfaiates. Pensar moda ultrapassa muita das vezes os nossos limites como entendedores da relação roupa/individuo.
Critica-se a juventude angolana por não usar roupa tradicional, que devia valorizar a sua cultura… O que se tem esquecido, é que até mesmo está dita ‘nossa cultura’ não está expressa nas roupas que se dizem ser ‘tradicionais’.

 A nossa cultura começou a se perder a partir do momento em que adaptamos os tecidos ‘africanos’ a modelos de vestuário europeus. Essa história de roupa tradicional é conversa; consideremos tradicional a indumentária usada pelas Mumuílas por exemplo. Angola é um país pluriétnico e multicultural sendo composto por três grandes grupos étnicos Bakongos, Ovimbundos e os Kimbundos, sem contar com outros grupos existentes em menor número, e por isso é difícil eleger-se um traje como sendo tradicional e que identifique um ‘todo’ como a Palanca Negra ou a Welwitschia Mirabilis que imediatamente associamos a Angola.


''Não podemos obrigar os nossos jovens a vestirem aquilo que os estilistas nacionais entendem como vestuário tradicional quando as suas colecções não abrangem determinados públicos-alvo.'' 


Os estilistas angolanos têm por hábito criar tudo o que a sua inspiração lhes proporciona, quando para se poder expandir uma colecção de moda como acontece no exterior do país, não só em outros continentes, como em África, precisa-se de um estudo aprofundado que passa pelos ‘Cool hunters’’, antropólogos, sociólogos e muitos outros profissionais. 

Cool hunter pode ser traduzido como “caçador de tendências” que costuma circular pelas ruas, cinemas, shows e exposições das cidades registrando tudo, até a roupa que nós usamos. São pagos para fazerem viagens e terem percepção aguçada, rapidez para observar e registrar tudo o que interessa, sempre com máquinas fotográficas e notebooks: é assim que eles captam comportamentos, estilos, novos talentos, ídolos emergentes e desejos de consumo – informações bastante preciosas para a indústria da moda e do design. 

Toda essa informação é recolhida e passada ao estilista que juntamente com outros profissionais fazem uma releitura num demorado e minucioso processo para depois termos as roupas nas passarelas e seguidamente enfeitando montras de diversas lojas. As colecções não devem ser unicamente ditadas pelas estações e sim pelo que está em voga. Semanalmente, as grandes marcas de vestuário inserem novas peças em suas lojas para se manterem actualizadas.

Se um estilista mostrar-se organizado, tendo por exemplo o seu atelier munido de um relações públicas, advogado, alfaiates, assistentes, designers gráficos e tantos outros profissionais que o ajudem a fazer crescer a empresa, com toda a certeza obterão mais facilmente financiadores e começarão a produzir roupa, calçado… no exterior do país e assim agradar o público angolano (por sinal muito exigente) e alcançar as mais variadas lojas do país. Não é o estilista que deve estar a frente do negócio, embora este tenha que ter conhecimento do que se está a passar com a empresa. Uma maneira divertida e fácil de se entender o mundo da moda, é lendo o livro Vestido em Chamas do primeiro estilista brasileiro a trabalhar em Paris, Ocimar Versolato, que de forma divertida faz uma biografia do que foi a sua carreira nesse mercado, desde o auge, até a sua queda.

Ainda que exista um grande número de estilistas que trabalhem em confecção de roupas desde muito anos atrás, poucas ou nenhuma tem conhecimento de técnicas de produção em massa, produção de estampas e tantos outros procedimentos que exigem tempo, prática e muita pesquisa, tal como ter olhos para o negócio e ser oportunista.

Creio que a salvação esteja nas mãos de estilistas angolanos que têm feito formação no exterior do país como Felícia Mahatma, Soraya da Piedade, Daniela Andrade... que adquiriram já uma certa bagagem e estão preparadas para fazerem a diferença. A premissa é básica para se ter sucesso na moda - Estar à frente do seu tempo.

3 comentários:

  1. Amigos,
    Hoje tirei o dia para repousar, debrucei-me na leitura.
    Deixemos os estilistas angolanos criarem, exteriorizarem o que lhes vai na alma, assim é a arte, não nos deixemos castrar por imposições internacionais, e pelo monopólio do mundo da moda, afinal cada um tem a sua vivência, e muitas vezes nem tudo o que se faz é para ser comercializado mais sim para mostrar a arte, a exorberância e a criatividade que nos vai na alma.
    Façam o favor de serem livres e felizes.

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  2. Muitas vezes os nossos olhos apenas enchergam o que temos na mente e o são as nossas vivências. As vezes somos tão obcuros que não capatmaos mais além....
    Quem tem o dom de criar tem que ser livre saber e permitir-se voar.
    As minhas asas não são iguaias as de ninguém. somos únicos e autênticos com a graça de Deus

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    1. Amem!!!
      Bem dito...Somos Únicos e Autênticos com a Graça de Deus! (O pior é que poucos usam a sua imaginação para poderem realmente ser únicos e autênticos... adoram copiar, imitar....urgh!)

      www.claudiaclaki.blogspot.com

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